Lawfare ou guerra jurídica contra adversários políticos

Em Angola, não temos a tradição jurídica para aplicar dois elementos importantes nas políticas, práticas, ideias e crenças nomeadamente: Direitos Humanos e Justiça.

a)- Fazer litigações ou defesa ou abordagem baseada, de forma holística nos Direitos Humanos. Durante alguns anos, fez-se debates sérios em algumas instituições incluindo a Presidência da Republica e os grupos parlamentares para que em Angola existisse uma Comissão Nacional de Proteção dos Direitos Humanos conforme com os Princípios de Paris, cuja atuação fosse melhor e mais consistente do que aquilo que tem feito até aqui a Provedoria da Justiça.

Ora, a provedoria da justiça de Angola não tem história de quais os direitos tem defendido e quem são os sujeitos beneficiários e qual é o seu impacto nas vidas dos angolanos. A sociedade angolana, politicamente falando foi construída na base de violação dos Direitos Humanos. Angola que temos hoje é uma Angola quase insensível a tudo o que é justo e humano porque se trata de Angola governada por um grupo cujo Poder emana da sua cultura e padrão de violência. O MPLA é o produto da violência e violação de normas.

E, por isso, os políticos no Poder, que decidem o que se deve ensinar nas escolas, nunca aceitaram incluir os Direitos Humanos nas disciplinas escolares, mesmo nas faculdades de Direito não ensinam Direitos Humanos como Disciplina Autónoma ou especialidade para Mestrados ou Doutoramento. O foco central de quase todos os juristas angolanos são os códigos punitivos como o Direito Penal, o direito civil e tudo aquilo que engendra ameaça e a punição. Trata-se de um Direito mais do que Justiça ele está orientado para “Vigiar e Punir” o diferente de quem tem Poder Político.

 Angola tem muitos especialistas em Direitos Humanos a nível sobretudo da Sociedade Civil. Esses especialistas em direitos humanos o fazem no estrangeiro ou por treinamento informal e não formal porque na academia angolana existe esse vazio. A comunicação social angolana não incorpora nas suas linhas editoriais a abordagem ou programa que falem amplamente dos direitos humanos quer na perspetiva teórica quer na prática. Todas essas omissões fazem com que Direitos Humanos sejam algo irrelevantes ou exíguos para não perturbar os seus violadores que é o Estado Angolano.

Apesar disso o Estado Angolano para além de membro da ONU e da OUA e que desde 2007 Angola é membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos da OUA, que Angola já tenha sido avaliado pelo mecanismo internacional dos pares da ONU conhecido como RPU-Revisão Periódica Universal 3 vezes e sempre Angola ficou reprovada no que respeita ao seu engajamento com os Direitos Humanos, é dos piores países do mundo!

PORQUE É QUE O GOVERNO ANGOLANO NEGLIGENCIA OS DIREITOS HUMANOS?

Decorre da sua história de ditadura. Em Angola vivemos ditadura, mas essa ditadura está aliviada com alguns sintomas de democracia para disfarçá-la. Então, muitos estudiosos preferem dizer que Angola é gerido por um regime autoritário. O autoritarismo e a ditadura têm muito de comum e uma linha ténue de diferença portanto aqui prefiro usar indiferentemente autoritarismo e ditadura. Os dois rios desaguam na falta de garantias fundamentais dos direitos das pessoas. Quando um Estado não se preocupa, na prática, com os direitos humanos colhe os benefícios disso, nomeadamente fazer uma governação baseada no medo, nas ameaças, no “banho de sangue” no terror, na corrupção. Pensa, esse Governo que o respeito escrupuloso aos direitos humanos levará a transparência, levará a democratização efetiva das instituições e do País, combaterá seriamente a corrupção institucionalizada.

O respeito pelos direitos humanos combate seriamente as assimetrias regionais e étnicas, inclui e respeita as minorias políticas e religiosas. O respeito pelos direitos humanos produz uma governação de todos, para todos e com todos. Todas essas virtudes são encaradas pelo regime autoritário como ameaças e pensa ele que lhes tira a longevidade de sua governação porque preparam o caminho para a alternância política e o respeito pelos direitos humanos pode fortalecer, robustecer os adversários políticos e preparar o caminho para derrubar silenciosamente a ditadura. Então preferem perpetuar-se no Poder na base da manutenção do medo. Valorizam os discursos securitários, exaltam as armas, investem mais no sector militar do que no sector social… Assim, enquanto alunos de Nicolau Maquiavel então esses regimes dizem: “invista no medo, terás longevidade e invista no amor não conseguirás governar, pois que o medo depende de ti; é você que guia a quantidade e a qualidade do medo que vai infundir nos outros; ao passo que, o amor depende dos outros. Não é você que controla o amor e sim o outro. Ao passo que, o medo é você que o controla. Invista sempre naquilo que tem poder de controlar. Assim o medo fará com que todos nunca o confrontem ao passo que o amor caduca tão logo o seu timoneiro mude de opinião e olhar sobre nós”. Esse trecho Nicolau Maquiavel resumiu no conhecidíssimo brocardo “é melhor ser temido do que ser amado”.

b) – A Justiça como corolário da lei. As faculdades de Direito em Angola ensinam aos seus alunos o valor da lei, a importância da lei, a sua interpretação e aplicação na preservação dos interesses e vontade do Estado. A lei ao serviço do Estado e não ao serviço do cidadão. Na disputa entre o interesse do cidadão considerado “interesse egoístico” em relação ao interesse do Estado considerado bem público, então o cidadão é sacrificado e ressalta-se o interesse do Estado e esse Estado se for confundido com o Partido no Poder então se o voto do cidadão eleitor se dirigir para o contrario do desejado, ou seja se o cidadão achar que seu interesse se realiza votando num ente diferente daquele que detém o Poder então o interesse do cidadão é literalmente ignorado porque pensa-se que esse interesse ameaça o Poder cristalizado.

É o legalismo em alta. Significa que em Angola as leis não são produzidas para realizar a justiça mas sim para proteger as conquistas e materializar os interesses de quem detém o Poder mesmo que para tal pisoteie a justiça. Não poucas vezes que essas leis formalmente tenham sido boas mas a sua aplicação será distorcida, burlada, adulterada e enviesada e é aí onde entra o título do nosso artigo: LAWFARE OU GUERRA JURIDICA CONTRA ADVERSÁRIOS POLÍTICOS

Neste momento, em Angola o MPLA que é o Partido que detém influência nas instituições do Estado, gere a administração público, nomeia indiretamente todos os operadores dos tribunais com pouquíssimas exceções e já indica de forma mais inequívoca os juízes do Tribunal Constitucional, do Tribunal Supremo e os Procuradores bem como tem maior representação na Comissão Nacional Eleitoral como indica diretamente os agentes operadores do registo eleitoral através do Ministério da Administração do Território cujo Ministro é membro do Bureau Político do MPLA; daí que os vícios eleitorais começaram precisamente no seu registo. Então, o MPLA tira proveito de todas as situações a seu favor desde a gestão financeira pública, o uso dos meios do Estado, a influência nas instituições estatais dirigidas pelos sues membros de proa, finalmente usa a lei distorcida para oprimir seus adversários políticos, usurpar os direitos dos outros e manter o seu Poder com tendência a aumentá-lo.

Quando um Governo, Partido no Poder ou Estado usa o Direito nomeadamente o Poder da Lei e dos Tribunais para oprimir, reprimir, combater os adversários políticos é o que os Americanos chamam de “Lawfare” esse termo significa que sempre que o Direito for usado para combater o inimigo ou adversário então tem o mesmo peso como uma arma então significa GUERRA JURÍDICA.

Segundo a doutrina, Lawfare ou guerra jurídica “ é a utilização do sistema de justiça como uma guerra quem for identificado como “inimigo” de quem tem Poder. Nessa guerra usa-se como armas de combate a interpretação distorcida da lei, dos institutos, procedimentos e categorias do Direito ou seja a instrumentalização do Sistema de Justiça, das leis e procedimentos para fins políticos e ideológicos de manter ou conquistar ou reconquistar o Poder, e por esta via eliminar os potenciais concorrentes adversários.” No lawfare, por de trás de uma aparência de legalidade e do mito da neutralidade do Poder Judiciário, o Sistema de Justiça passa a ser utilizado para manipular a opinião pública, desgastar e, se necessário, eliminar os inimigos dos detentores do poder político e/ou econômico.” Isto é, começaríamos por dizer que esse fenómeno é planeado no sentido de dar impressão de que se trata de uma questão verdadeiramente legal e essa aparência conta com a ajuda da comunicação social, que faz propaganda para prejudicar um determinado adversário político ou económico ou social. O  judicial em paralelo com a comunicação social antecipam as decisões dos tribunais, visando negar direitos, anular reclamações, ameaçando e fazendo todo o tipo de chantagem…nesse quesito, como a ideia é destruir reputações, imagens, eliminação moral e ética no panorama político, socorrer-se-á do dispositivo de corrupção ativa para combater o adversário. Aí “as normas jurídicas são muito parecidas com uma arma. Sendo que estas podem ser usadas de acordo com as diretrizes de um determinado Estado e seus interesses”. 

“Assim, dependendo de quem organiza e utiliza o Direito e suas Leis, os direitos subjetivos podem ser  reprimidos, estratégias políticas e sociais podem ser condenadas, determinados indivíduos ou grupos podem ser perseguidos, partidos políticos, ONG’s ou Igrejas podem ser perseguidos, ilegalizados e seus promotores assassinados, outros presos outros amordaçados e se forem estrangeiros residentes são-lhes retirados todos os seus direitos e depois expulsos do País e toda essa ação é seguida de ruido de uma TV, Rádios, Jornais e portais Online como Angop ao serviço dessa guerra semeando falsas notícias, calúnias, difamações para formar uma opinião pública que ajude a promover a mentira pública como se fosse verdade e que a ilegalidade praticada por essa justiça politizada passa a ser como se fosse ato de pura legalidade.

Assim sendo, dia 24 de Agosto de 2022, Angola realizou as eleições. Todas as fontes apontam para uma derrota do MPLA depois de estar no Poder há 47 anos. Dos quais 31 anos de democracia controlada ou seja Democracia Tutelar. A democracia tutelar ou seja democracia ditatorial é este tipo de regime em que sob a capa de democracia, ela continua com as práticas autoritárias típicas das ditaduras. O MPLA saiu das eleições passadas com poucas chances de ultrapassar os 40% dos votos. Como evidente o MPLA não conseguiu uma vitória inequívoca nas urnas e não tem a possibilidade de governar de forma legítima então quer recorrer às leis e pessoas ao seu serviço para distorcer a verdade eleitoral e governar de forma legal mas sem legitimidade popular.

O MPLA transfere a luta das urnas onde saiu derrotado para as suas instituições legais nomeadamente a CNE que sob a capa de uma lei distorcida invalidará/indeferirá todas as reclamações do possível vencedor das eleições que é a UNITA e seus parceiros da FPU. A outra trincheira de guerra que aguarda pacientemente que o “inimigo” do MPLA no caso, o vencedor das últimas eleições que é a UNITA se aproxime das “linhas do inimigo” para ser fulminado. É o Tribunal Constitucional. Então, o Tribunal Constitucional está com a responsabilidade última e máxima de legalizar a vitória ilegítima do MPLA e ilegalizar a possível vitória legítima da UNITA. O Tribunal Constitucional não pode trabalhar sozinha, trabalha com o ruido ensurdecedor e mentiroso da TPA, TV-Zimbo e outros tais como Angop, Jornal de Angola, Jornal OPAÌS, Radio-Mais etc, no Lawfare conta-se nessa guerra contra adversários políticos com a comunicação social que faz a lavagem cerebral do povo, produz informação falsa, endossa a mentira transformá-la em verdade, faz o branqueamento dos factos nebulosos e produz uma impressão de veracidade, amordaçando os adversários de seus patrões.

Concluindo a UNITA irá cumprir formalidades de apresentar sua reclamação junto do Tribunal Constitucional depois de já ter sido negado pela CNE e o Tribunal Constitucional seguirá as pegadas da CNE porque é assim que trabalha o “Lawfare”. Seguidamente a TPA, TV-Zumbie, Angop, Rádio Nacional de Angola, Jornal de Angola, Jornal OPAÍS e outros irão desencadear um ruido nos quatro cantos de Angola para vender a impressão de que o Poder Judicial ao serviço do povo deu vitória justa ao MPLA e essa propaganda pode encontrar acolhimento pela mídia cúmplice internacional e depois os países amigos poderão aplaudir a vitória e assim apaga-se a justiça e exalta-se o legalismo. Destrói-se dessa forma o Estado de Direito, os direitos humanos (direitos civis e políticos) e finalmente dá-se homenagem ao vício no lugar da virtude.

Por Ângelo Kapwatcha

Defensor dos Direitos Humanos e

Presidente do FORDU-Fórum Regional para o Desenvolvimento Universitário